segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

23 Cores Lúcidas

Este é o começo.
O começo se desdobra aqui, ensolarada manhã de domingo, com 23 cores lúcidas e todas as expectativas de Deus que sua folga seja plena. O começo já tem cinco anos ou mais, já anda com os dois pés, já ouve rock e já discute como igual com os pais. O começo já pergunta a estranhos pelas horas.
Depois dele vêm a multidão, as pessoas rosas marchando sem parar. Por avenidas, estações de trem e até janelas, vêm tremendo o solo com seus calçados de borracha, vêm com óculos escuros. São a vanguarda irresponsável da evolução, máquinas do pensamento, insatisfeitos com o sistema de recompensa na reprodução. Querem a verdade nas palavras e no movimento.
Esses que se dizem humanos, que se dizem concretos, ficam para trás. Na frente da fila, na travessia do mar, na pulsação quente, residem passivamente os fracassados. Os desatentos, desabotoados, desnivelados e tortos, esses são reais. Reais como a curva do universo, como os olhos abertos e a mortalidade. Podem ser mais ou menos humanos, mais ou menos vivos, não tem como dizer. Estão espalhados, como vigias noturnos, pelas cidades e os campos, as colinas e o asfalto. São os gatos pretos da sociedade e espreitam o mundo em silêncio curioso, antes de se lançarem com garras expostas e pupilas enormes ao íntimo das coisas, às verdades despercebidas e aos passeios emotivos do coração.
Os rostos e as línguas transformam mas a lua é eterna e imutável. Entre os atrasados e os operários, entre as castas indianas, os jovens e os fanáticos religiosos, há o brilho tenro da lua e há o intenso fogo do sol, e sempre haverá, através dos séculos. Somos lunáticos, todos, alguns mais apaixonados do que os outros. Alguns apaixonados pelas práticas sádicas, alguns pelo ofício, outros por si mesmos e assim em diante. Todos percorremos a trilha elíptica do destino carnal, entre as 16 horas crípticas do amanhecer ao anoitecer. Os insones, porém, nós abandonados por Morfeu, desfrutamos dos oito longos passos mais românticos do braço do relógio. A essência noturna, as horas dos espectros. E nada na vida compara.
A insônia permeia a consciência, fura a alma como um vácuo, e pelo furo passa o vento frio e a calma solitária do mundo. A insônia flerta com a loucura e faz retumbar os tambores do corpo. A loucura nos espreita. Os relógios andam para trás. Na perda de contato com o exterior, perde-se o contato com a realidade e os demônios se despertam como chamas vazias pelas sombras. 23 demônios coloridos, pintados com tintas grossas, cheirando a amônia e ilusão. 23 segundos entre a vida e a morte, entre nós e os espectros, entre o céu e a terra. Se a Lua caísse do céu, 23 segundos até a evacuação da alma. Lá fora uivam os lobos urbanos, ou seriam os ônibus que não param? A insônia bate 4 vezes na porta de madeira do quarto. A insônia é muda, mas como fala. Fala através das mãos inquietas, dos olhos abertos dos pobres poetas.
Quando se está perdido no tempo as estações surpreenderão com a surreal beleza. Quando sente-se o mês inteiro pesar nos últimos três dias e antes do anoitecer não cabe nem o despertar completo. Há dias em que apenas o conselho luminoso das estrelas consegue nos abrir os olhos. Enxergamos o universo inteiro e o brilho molhado das coisas e somos loucamente imersos. Quando as palavras se exaustam, quebram e perdem a razão para viver. Quando o cotidiano e a alma se anulam, o melhor a fazer é perder-se no tempo. Uma tecla preta e uma tecla branca. O calendário de 1993 na parede com uma imagem de Stephen Hawking em um fundo de galáxias e sistemas cósmicos. O calendário de 2002 em preto e branco ao lado.