sábado, 20 de dezembro de 2008

Cartas e Documentos Perdidos II

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Sou eu folha de papel na ventania, perdida de amor pelo vento.

Vento
ar que não pára
Vindo dos quatro cantos da Terra.
Transitório e inesperado.
Ora fúria que atormenta o mar
e depois se vai
como se nada tivesse acontecido,
Ora calmaria que me traz o perfume das marés.
Ora vendaval que encobre o céu,
Ora brisa que me acaricia as faces
brinca com meus cabelos
e depois segue sozinha.
Vento.
Me surpreende no meio da tarde
E depois vai embora, da mesma maneira que veio
carregando consigo a minha paz
e as minhas esperanças.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Cartas e Documentos Perdidos I

Minha linda, pequena rouxinol,
distante de tuas delicadas asas, só sirvo para te amar. Ando sem rumo, me amarguro e questiono o meu propósito insólito nessa cidade depravada. Sozinho, sou tonto e desgovernado. Estou a pensar em ti sempre, estás sempre comigo. Lhe espero como a madrugada gélida e desolada espera pelo corpo quente do sol, como a tarde úmida pelo refrescar libertinoso da ventania.
Você é a salvação luminosa das pessoas perdidas. O mundo inspira teu amor lindo e eu vivo de te respirar. Meu amor, não me deixe. Não mais um segundo sem seu fôlego quente. Você é a calmaria dos mares em que sou náufrago. Você é o murmúrio do meu misterioso destino.
Amada minha, como eu te queria ao meu lado. Minhas viagens se tornam banais rodeios perante à estrada que me conduz a ti. Não imaginastes as cores que descobri por essas partes do mundo. A paisagem reluz como se prismas permeassem o solo macio e dessem fruto. Vi pêssegos azuis maiores doque meu punho e flores com pétalas cheias e macias como os cachos roxos de seus cabelos. Vi árvores com a espessura de um quarto e os troncos vermelhos como o fogo.
A cultura e a humanidade dos povos daqui me permeiam como chuva em solo fértil. De calmas faces e olhos fortes, os indivíduos demonstram a expressão intensa de vida plena que você tanto procura em si. Dentro dos olhos de cada um vi a imensidão dos seus olhos. Ao fundo de suas vozes firmes e tranquilas ouvi o doce timbre de sua voz. Acordo constantemente de sonhos contigo, ouço sua voz em palavras de amor que dissolvem as imagens ao meu redor como um temporal de verão. Acordo constantemente com o coração dorido.
Há tempo deixei em beiradas de estrada meus mapas e bússulas, indiferente às rotas que já foram trilhadas. O primeiro caminho que tomei para lhe encontrar não foi documentado e esse não há de ser, também. Às manhãs, sigo com passo firme enquanto o sol se ergue majestoso à minha frente, me aquecendo as faces. Nas tardes, porém, descanso para assisti-lo mergulhar no imenso horizonte do Oeste, de onde vim. Onde lhe deixei. Eu queria deslizar pelo céu também, como uma ave gigante perdida nas correntes de ar frio, e cair até você. A saudade me tem prisioneiro indefeso e sonhador. Quando a noite chega, meus braços puxam perto as minhas pernas para calar a solidão. Quando lhe verei de novo?

domingo, 16 de novembro de 2008

Enquanto a paz não vem

A madrugada cresce assustadora nas paredes do meu quarto. Olhos vazios de sono. A escuridão, o frio, o silêncio. Da alma.

Assis é desses meninos que olham deslumbrados pelas janelas dos ônibus e têm os passos guiados pela esperança. E os ônibus são cheios de destinos que se cruzam e se separam no próximo ponto. Os sinais oscilam. As placas de trânsito indicam o caminho. Fumaça, cheiro de gasolina. E há o sol a esturricar a pele, o medo e o cansaço na face dos outros. As coisas todas fora do lugar, Assis em todos os olhares, com a sua silueta impossível, órfão de pai e mãe.
Os dias passam irrefutáveis, tomados por um não saber atroz e incessante. Não sei, não sabes, não sabe, não sabemos. Verdade nua, crua e cruel. E esse mundo dissimulado que não se cansa de fingir que está inteiro.
É tudo tão repetitivo.
Falta de sentido louca e enlouquecedora, te assalta no meio da tarde, no caminho pro trabalho, entre o segundo e o terceiro gole de café quente e amargo. Existir é como ter um punhado de areia jogado sobre seus olhos abertos ou uma espinha de peixe atravessada bem no meio da sua garganta, mas não há nada que faça se cumprir o desejo de desaparecer.
Seguimos mecanicamente, cada vez mais anestesiados, numa marcha quase fúnebre. Assis em todos os olhares, pontiagudo, todo fome e tropeço, e nós, morte na vida, irremediavelmente sozinhos.

domingo, 19 de outubro de 2008

Polpa

"No amanhecer as ruas da cidade se enchem de papéis brancos e panfletos. Cartas de amor e documentos que se dão por perdidos, podiam ser as páginas voadoras da autobiografia não-publicada de um gari. Peguei pra ler uma dessas páginas, que se rebatia pelo ar em minha direção. Era uma multa de trânsito. O trânsito está cheio de multas que se dá por perdidas.
Li, também, as páginas encarceradas de um livro didático, que ditava: Os pseudofrutos são estruturas suculentas que contém reservas nutritivas, mas que não se desenvolvem a partir de um ovário. Foi então que descobri, como se descobre o próprio nome, que eu era, nas selvas humanas, um pseudofruto."
(extraído de: relatos de um pseudofruto)

terça-feira, 14 de outubro de 2008

eu-insone

O que seria Duas Semanas em Abril e se tornou o Ensaio Sobre a Insônia:

I. Toda obra é prima. Trinta e um, vinte e cinco, treze.
A procura por um sentido na vida é totalmente ilógica. É absurda e vital. A vida é o sentido da vida. Pêndulos, satélites, espirais. Luta de classes. Torta.
II. Há vida na morte. A alma é elástica.
Há um pedaço de mim que vagueia pelo sertão se chamando Assis e dormindo a sós. Todo descalço, o descaso em pessoa. Messiânico. A silueta impossível de um dos muitos visionários tortos. E eu aqui, urbano, todo vermelho acenando aos motoristas ensurdecidos. Berraria e suor, nessa cidade todos têm em comum. Uma nação de cristãos descrentes e desbocados. Vilões nos seus momentos mais íntimos. Atores da Globo. Ó meu renegado Assis, estás em minhas preces curtas. Seja tu poeira cósmica ou o fim do mundo. Seja tu um desenho ou um destino intrínsseco, independente e de olhos castanhos que me cruza na rua e me deixa pra sempre. Essa rua... é minha? Ela é minha alma recoberta com pixo? E as pessoas, fonte de minha fonte, que passam como água corrente pela minha vida dura, são o destino? A lista telefônica está cheia de respostas. De noite quando tudo se cala eu percebo que todos estão perdidos, de uma forma ou outra. Só então a calma chega, por todos os lados, e eu durmo. O sono dos justos. Vício, ofício, vício.

Sobre medo do escuro: Temo a escuridão do universo. Bilhões e bilhões de estrelas, uníssonas, perfeitas, galáxias, não conseguem aclareá-lo. No fundo o negrume prevalece e engole tudo. Não há interruptor, não há lenha para a fogueira universal. Temo a solidão do universo.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Introdução à Introdução

Indelével diz com voz rouca e solitária das profundezas do oceano:
A noite cai...
Assim, vinda de lugar nenhum.
Uma escuridão paira sorrateiramente sobre a cidade.
As estrelas, a lua.
O céu brilhante.
Fecha os olhos e respira.
Sente a brisa fresca da noite, carinhosa, na sua pele.
Você pode ouvir a música?
Algumas coisas parecem só com alguma coisa, mas acabam sendo de diversas formas diferentes. A vida é assim.
Vida, Vida, Vida.
Pensei que fosse rosa
Vi em preto e branco
Mas agora eu sei que é colorida
(Mesmo em dias chuvosos)
E tudo está em como você mistura as cores.
De qualquer forma, o que me move hoje é a esperança, hoje sou toda esperança, meu nome é esperança. Assim, a última que morre, assim, difícil de se esvanecer, assim indelével.
A minha alma é nova, os meus olhos são novos e eu percebo tudo ao meu redor como um bebê que acaba de nascer e ainda se acostuma às novas sensações. Os meus olhos brilham e engolem o mundo colecionando as expressões mais intimas das pessoas. As pessoas. Elas deveriam saber o quanto são lindas e especiais e apaixonantes. Elas me fascinam.
Entre os lábios guardo sorrisos e segredos e o amor, o amor até os poros.
Fecha os olhos e respira.
Sente a brisa fresca da noite, carinhosa, na sua pele. Sente. Sinta Antes que a música pare de tocar, antes que o dia amanheça mais uma vez.

Ao que nocivo responde, todo tétrico nos espaços cinzas do jornal, com números ímpares:
Nocivo é surgir onde não se sabe e não se deve nada. Nocivo é beber do mar vermelho e sobreviver a terremotos dormindo. O mundo é nocivo em que ele é eterno. O tempo é nocivo em que ele é fugaz. Tudo é nocivo e elétrico e preenche os cantos das minhas almas como caos engarrafado. A deriva continental lenta e catastroficamente dispersa gerações de ricas culturas, povos surgem, rostos são esculpidos em pedras e lembrados por mais de quinhentos anos. A noite descende sobre os impérios e a ruína traz o esquecimento. A perda é total. Só restam escombros e macacos confusos. Morrem os macacos. O éter consome o fogo. Oceanos congelam e bactérias sobrevivem. E na mais negra e última noite da Terra a lua nasce cheia. É Outubro e a maré cheia traz animais rastejantes ao mundo. Ressurge a sociedade. Nociva é a doença de Deus, corrosiva. Com olhos nostálgicos ela assiste ao espetáculo, imparcial e paciente, se decompondo triste. Nociva é a insônia e a televisão ligada. Eu e você. Essencialmente iguais.

O retrato da sociedade está colado, em preto e branco, na porta da geladeira. Ela sorri familiarmente, tira a mão do bolso e acena. Como um parágrafo curto de introdução à introdução na última página do jornal, uma homenagem breve aos poetas insones. De curta vida fulgorosa.