segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Introdução à Introdução

Indelével diz com voz rouca e solitária das profundezas do oceano:
A noite cai...
Assim, vinda de lugar nenhum.
Uma escuridão paira sorrateiramente sobre a cidade.
As estrelas, a lua.
O céu brilhante.
Fecha os olhos e respira.
Sente a brisa fresca da noite, carinhosa, na sua pele.
Você pode ouvir a música?
Algumas coisas parecem só com alguma coisa, mas acabam sendo de diversas formas diferentes. A vida é assim.
Vida, Vida, Vida.
Pensei que fosse rosa
Vi em preto e branco
Mas agora eu sei que é colorida
(Mesmo em dias chuvosos)
E tudo está em como você mistura as cores.
De qualquer forma, o que me move hoje é a esperança, hoje sou toda esperança, meu nome é esperança. Assim, a última que morre, assim, difícil de se esvanecer, assim indelével.
A minha alma é nova, os meus olhos são novos e eu percebo tudo ao meu redor como um bebê que acaba de nascer e ainda se acostuma às novas sensações. Os meus olhos brilham e engolem o mundo colecionando as expressões mais intimas das pessoas. As pessoas. Elas deveriam saber o quanto são lindas e especiais e apaixonantes. Elas me fascinam.
Entre os lábios guardo sorrisos e segredos e o amor, o amor até os poros.
Fecha os olhos e respira.
Sente a brisa fresca da noite, carinhosa, na sua pele. Sente. Sinta Antes que a música pare de tocar, antes que o dia amanheça mais uma vez.

Ao que nocivo responde, todo tétrico nos espaços cinzas do jornal, com números ímpares:
Nocivo é surgir onde não se sabe e não se deve nada. Nocivo é beber do mar vermelho e sobreviver a terremotos dormindo. O mundo é nocivo em que ele é eterno. O tempo é nocivo em que ele é fugaz. Tudo é nocivo e elétrico e preenche os cantos das minhas almas como caos engarrafado. A deriva continental lenta e catastroficamente dispersa gerações de ricas culturas, povos surgem, rostos são esculpidos em pedras e lembrados por mais de quinhentos anos. A noite descende sobre os impérios e a ruína traz o esquecimento. A perda é total. Só restam escombros e macacos confusos. Morrem os macacos. O éter consome o fogo. Oceanos congelam e bactérias sobrevivem. E na mais negra e última noite da Terra a lua nasce cheia. É Outubro e a maré cheia traz animais rastejantes ao mundo. Ressurge a sociedade. Nociva é a doença de Deus, corrosiva. Com olhos nostálgicos ela assiste ao espetáculo, imparcial e paciente, se decompondo triste. Nociva é a insônia e a televisão ligada. Eu e você. Essencialmente iguais.

O retrato da sociedade está colado, em preto e branco, na porta da geladeira. Ela sorri familiarmente, tira a mão do bolso e acena. Como um parágrafo curto de introdução à introdução na última página do jornal, uma homenagem breve aos poetas insones. De curta vida fulgorosa.