segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Cartas e Documentos Perdidos I

Minha linda, pequena rouxinol,
distante de tuas delicadas asas, só sirvo para te amar. Ando sem rumo, me amarguro e questiono o meu propósito insólito nessa cidade depravada. Sozinho, sou tonto e desgovernado. Estou a pensar em ti sempre, estás sempre comigo. Lhe espero como a madrugada gélida e desolada espera pelo corpo quente do sol, como a tarde úmida pelo refrescar libertinoso da ventania.
Você é a salvação luminosa das pessoas perdidas. O mundo inspira teu amor lindo e eu vivo de te respirar. Meu amor, não me deixe. Não mais um segundo sem seu fôlego quente. Você é a calmaria dos mares em que sou náufrago. Você é o murmúrio do meu misterioso destino.
Amada minha, como eu te queria ao meu lado. Minhas viagens se tornam banais rodeios perante à estrada que me conduz a ti. Não imaginastes as cores que descobri por essas partes do mundo. A paisagem reluz como se prismas permeassem o solo macio e dessem fruto. Vi pêssegos azuis maiores doque meu punho e flores com pétalas cheias e macias como os cachos roxos de seus cabelos. Vi árvores com a espessura de um quarto e os troncos vermelhos como o fogo.
A cultura e a humanidade dos povos daqui me permeiam como chuva em solo fértil. De calmas faces e olhos fortes, os indivíduos demonstram a expressão intensa de vida plena que você tanto procura em si. Dentro dos olhos de cada um vi a imensidão dos seus olhos. Ao fundo de suas vozes firmes e tranquilas ouvi o doce timbre de sua voz. Acordo constantemente de sonhos contigo, ouço sua voz em palavras de amor que dissolvem as imagens ao meu redor como um temporal de verão. Acordo constantemente com o coração dorido.
Há tempo deixei em beiradas de estrada meus mapas e bússulas, indiferente às rotas que já foram trilhadas. O primeiro caminho que tomei para lhe encontrar não foi documentado e esse não há de ser, também. Às manhãs, sigo com passo firme enquanto o sol se ergue majestoso à minha frente, me aquecendo as faces. Nas tardes, porém, descanso para assisti-lo mergulhar no imenso horizonte do Oeste, de onde vim. Onde lhe deixei. Eu queria deslizar pelo céu também, como uma ave gigante perdida nas correntes de ar frio, e cair até você. A saudade me tem prisioneiro indefeso e sonhador. Quando a noite chega, meus braços puxam perto as minhas pernas para calar a solidão. Quando lhe verei de novo?

domingo, 16 de novembro de 2008

Enquanto a paz não vem

A madrugada cresce assustadora nas paredes do meu quarto. Olhos vazios de sono. A escuridão, o frio, o silêncio. Da alma.

Assis é desses meninos que olham deslumbrados pelas janelas dos ônibus e têm os passos guiados pela esperança. E os ônibus são cheios de destinos que se cruzam e se separam no próximo ponto. Os sinais oscilam. As placas de trânsito indicam o caminho. Fumaça, cheiro de gasolina. E há o sol a esturricar a pele, o medo e o cansaço na face dos outros. As coisas todas fora do lugar, Assis em todos os olhares, com a sua silueta impossível, órfão de pai e mãe.
Os dias passam irrefutáveis, tomados por um não saber atroz e incessante. Não sei, não sabes, não sabe, não sabemos. Verdade nua, crua e cruel. E esse mundo dissimulado que não se cansa de fingir que está inteiro.
É tudo tão repetitivo.
Falta de sentido louca e enlouquecedora, te assalta no meio da tarde, no caminho pro trabalho, entre o segundo e o terceiro gole de café quente e amargo. Existir é como ter um punhado de areia jogado sobre seus olhos abertos ou uma espinha de peixe atravessada bem no meio da sua garganta, mas não há nada que faça se cumprir o desejo de desaparecer.
Seguimos mecanicamente, cada vez mais anestesiados, numa marcha quase fúnebre. Assis em todos os olhares, pontiagudo, todo fome e tropeço, e nós, morte na vida, irremediavelmente sozinhos.